15.6.07

Vavá

Os atributos de Vavá

Criaram, na imprensa, um personagem fantástico, feito de retalhos de inquéritos, retalhos de declarações do próprio presidente, retalhos de declarações de seu sósia na vida real, o cidadão brasileiro Genivaldo Inácio da Silva.
Flávio Aguiar
Passei um mês fora do Brasil, e me esqueci, por causa daquelas correrias, de pedir a transferência dos jornais entregues por assinatura para o endereço de uma das minhas filhas. Resultado: como a faxineira que freqüenta minha casa é muito diligente e respeitadora, lá estavam eles – os jornais – convenientemente empilhados, aliás, gigantescamente empilhados.
O folhear daquela pilha passadiça me confirmou a impressão que eu tivera pela internet. Os deserdados do segundo turno de outubro de 2006 continuam na ativa – ainda que deserdados, é verdade. Não há o que fazer, para eles, a não ser CPIs, e procurar ataques à probidade do presidente. Não há programas a apresentar, idéias a debater. Só a moral do presidente interessa, e só a do presidente e de seus arredores.
Criaram, na imprensa, um personagem fantástico, feito de retalhos de inquéritos, retalhos de declarações do próprio presidente, retalhos de declarações de seu sósia na vida real, o cidadão brasileiro Genivaldo Inácio da Silva, irmão mais velho do mandatário da nação. Esse personagem chama-se Vavá. Vavá está em toda a parte, Vavá é o band-aid da falta de assunto, Vavá é imorredouro, Vavá é tudo e é nada, é lobista e é ingênuo, é um vírus e é o inocente-útil, é falastrão e é calado, tudo depende da manchete e da notícia. Vavá é melhor do que Roberto Jefferson: ao contrário deste, Vavá quase nada parece ter a dizer. Então pode se lhe atribuir tudo. Vavá ligou para o presidente. O outro irmão do presidente ligou para Vavá. Aliás, não se sabe se foi propriamente o irmão, só se sabe ao certo que o telefonema partiu de um telefone da família, e que provavelmente a voz em questão deve ser desse outro irmão.
É uma novela de suposições. Provas, investigação jornalística, muito pouco há. Há ilações a partir de fragmentos de relatórios e inquéritos, de conjeturas e suposições. Mas de tudo se pode tirar uma conclusão segura. O que interessa mesmo é mostrar como Vavá (o personagem, do irmão de Lula, pelo noticiário, pouco sei), esse Vavá, é canhestro, é desajeitado, como ele parece ter feito lobby sem saber fazer lobby. Lobby, afinal, é coisa de gente fina. Pobre faz lobby? Não, responde esse noticiário grotesco. Pobre pede. É diferente.
A conclusão dessa leitura acumulada é uma só: é nisso que dá por alguém “do povo” no Palácio do Planalto. É que nem casamento: os noivos não casam só um com a outra, ou com o outro, ou uma com a outra, nestes novos tempos (felizmente) mais abertos que o Brasil vive; os noivos casam com as respectivas famílias também. E vejam no que dá fazer a família de pobre (e petista ainda por cima!) chegar à rampa do Palácio. Dá lobby? Não, não só. Dá ridículo, dá vergonha, é isto que o noticiário exala. Pobre é desajeitado, quando fala se lambuza de palavras e de poder, vejam só!
Enquanto isso, o país vai melhor. Em muitas coisas, em outras não, é claro. A economia vai melhor, o povo vai melhor, muito melhor do que nunca esteve, pelo menos desde os tempos dos finados doutores Getúlio e Juscelino. O dólar baixa, o poder aquisitivo cresce, as famílias tem mais dinheiro para gastar (há economistas preocupadíssimos com isso), o euro nunca esteve tão baixo em relação ao real, a economia se aquece aqui e ali, ou seja, há um país inteiro a decifrar: que pauta!
Mas as esfinges do nosso jornalismo ímpares só têm uma pergunta a se fazer: como impedir daqui para frente que o povo possa imaginar que um deles – ou mesmo um que governe em nome deles, por eles e para eles – possa permanecer impune, imune, no Palácio do Planalto.
Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.

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