Ao comando de Camila Vallejo
Por Jonathan Franklin, de Santiago
Enquanto o sol da tarde de sexta-feira descia em direção ao
horizonte, alguns estudantes da Universidade do Chile jogavam
pingue-pongue ou futebol e casais descansavam e se beijavam ao último
calor do dia. Mas outros tinham questões mais sérias na cabeça: a
rebelião estudantil extremamente popular que transformou a agenda
política do país. E para muitos dos manifestantes envolvidos e os que
simpatizam com seus objetivos a face da rebelião é Camila Vallejo. Em um
auditório em um porão, um grupo de 60 líderes estudantis planejava os
próximos passos de sua revolução incipiente pela educação universitária
gratuita, com Camila no centro do palco.
Ela estava sentada atrás de seu velho laptop, com um pequeno caderno
azul sobre a mesa e um público cativo à sua frente. Quando fala, suas
mãos revoam como pássaros apanhando presas invisíveis. Sua linguagem é
pontuada e clara, mas misturada com constantes doses de humor e
autozombaria, ela faz suas acusações rindo.
Como segunda mulher presidente do principal órgão
estudantil do Chile, conhecido como Federação de Estudantes da
Universidade do Chile (Fech), Camila Vallejo, que também integra o braço
jovem do Partido Comunista, a JJCC, preside o maior movimento
democrático civil desde o tempo das marchas de oposição ao general
Augusto Pinochet, há uma geração.
A reação do governo lembrou a muitos chilenos mais velhos aquela
época sombria. Na quinta-feira 6, a polícia antimotim chilena emboscou
Camila e um grupo de líderes estudantis logo depois de uma entrevista
coletiva no centro de Santiago. “Eles (a polícia) visaram a
liderança com violência”, disse Ariel Russell, estudante da Universidade
do Chile que presenciou o ataque. “Nem tínhamos começado a marchar e o
aparato policial estava sobre nós.”
Camila Vallejo, uma estudante de Geografia de 23 anos, cantava e
marchava com um cartaz escrito à mão quando um esquadrão de veículos
militares a fechou e atacou com jatos de gás lacrimogêneo. Um par de
caminhões montados com canhões de água despejou uma barragem de água
forte o suficiente para quebrar ossos e arrastar uma pessoa pelo
asfalto. Ela ficou molhada e, então, uma nuvem de gás foi projetada
sobre seu corpo. Com a pele molhada, a reação química foi maciça e
paralisante. O corpo de Camila entrou em reação alérgica e surgiram
bolhas causadas pelo gás.
“No início, nós resistimos, mas foi insuportável”, disse ela ao Observer. “Você não conseguia respirar, era complicado, tivemos de fugir dos carabineros (a polícia)
e, depois, outro canhão de água nos atingiu de frente com outra
substância, muito mais forte… Todo o meu corpo queimava, foi brutal.”
Nas quatro horas seguintes, jornalistas foram espancados e 250
pessoas, detidas. Vinte e cinco policiais ficaram feridos quando jovens
mascarados e com bombas de tinta e punhados de pedras contra-atacaram.
Durante toda a tarde, o centro de Santiago foi tomado por lutas de rua
entre unidades da polícia fortemente armadas e centenas de manifestantes
de short e tênis, e cachecóis para se proteger do gás.
Enquanto esquadrões da polícia atacavam os
estudantes, os pedestres e até uma ambulância, Camila Vallejo se
escondeu em um escritório, recebeu cuidados médicos e monitorou a
situação pelos relatos por telefone celular de uma equipe de batedores
nos arredores do que logo se tornou tumulto.
O governo culpou Camila pelo caos: ela havia feito o apelo muito
divulgado, mobilizando seus seguidores a se reunir na Plaza Itália, um
parque público, e marchar ao longo da Alameda, a principal avenida da
capital, que fica a menos de 2 quilômetros do palácio presidencial,
levemente guardado. A líder estudantil rapidamente retrucou que as
reuniões públicas não precisam de autorização e que a polícia havia
atacado ilegalmente estudantes parados em um parque.
Camila, uma jovem eloquente e bonita que exala autoconfiança e
estilo, deixou a violência de lado e se concentrou no que ela considera
as conquistas positivas até agora. “Durante anos a juventude chilena foi
consumida por um modelo neoliberal que salienta a conquista pessoal e o
consumismo; tudo tem a ver com eu, eu, eu. Não há muita empatia pelo
outro”, diz em seu escritório, decorado com uma grande foto de Karl
Marx.
“Este movimento conseguiu exatamente o contrário. Os jovens assumiram
o controle e reviveram e dignificaram a política. Isso vem de mãos
dadas com o questionamento de modelos políticos desgastados – tudo o que
eles fizeram é governar para as grandes empresas e grupos econômicos
poderosos.”
Em questão de poucos meses, Camila Vallejo foi projetada de
presidente de um órgão estudantil anônimo a herói popular
latino-americana com mais de 300 mil seguidores no Twitter. Digite seu
nome no Google e haverá mais de 160 mil resultados apenas nas últimas 24
horas. Os estudantes brasileiros hoje a exibem como convidada vip em
suas marchas, o presidente do Chile a convida para negociar um acordo e,
quando ela pede uma demonstração de força, centenas de milhares de
estudantes de todo o Chile vão às ruas. Como adepta e um fenômeno de
mídia social extremamente popular, a líder ascendeu para se tornar um
rosto mais identificável nos protestos estudantis.
Durante a revolta de seis meses, os estudantes chilenos – em muitos
casos liderados por jovens de 14 e 15 anos – ocuparam as ruas de
Santiago e outras grandes cidades, provocando e contestando o status quo com
sua exigência de uma reestruturação maciça na indústria da educação
superior do país. Em apoio às suas demandas por uma educação gratuita,
desde maio eles organizaram 37 marchas, que reuniram mais de 200 mil
estudantes de cada vez.
A repressão policial foi frequente. Vândalos que
muitas vezes usam a cobertura dos protestos estudantis para atacar
bancos, farmácias e empresas de serviços públicos encontraram uma força
armada da polícia antimotim habituada a atacar pedestres e atirar gás
lacrimogêneo em multidões de civis inocentes.
O que começou como um apelo tranquilo por melhoras na educação
pública agora surge como uma rejeição total à elite política chilena.
Mais de cem colégios em todo o país foram ocupados por estudantes e uma
dúzia de universidades acabou fechada pelos protestos.
Amplamente admirada por seus discursos na televisão chilena, Camila
Vallejo reuniu um público admirador em todo o mundo, que vai desde
tributos do rock- alemão a vídeos da maior universidade da América
Latina, a Universidade Nacional Autônoma do México. “Essa
internacionalização do movimento foi muito importante para nós”, diz
Camila, que recebe um dilúvio diário de correspondência de fãs e
convites para fazer palestras e seminários. “Aqui no Chile ouvimos
constantemente a mensagem de que nossas metas são impossíveis e que não
somos realistas, mas o resto do mundo, especialmente a juventude, está
nos dando muito apoio. Estamos em um momento crucial nesta luta e o
apoio internacional é fundamental.” •
Tradução: Luiz Roberto Mendes GonçalvesEm: Carta Capital
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